domingo, 27 de outubro de 2013

         ela nunca mais foi feliz como era antigamente.

         a primavera indecisa que há lá fora colore a cidade de cor e cinza. em são paulo não se sabe mais que dia foi aquela tarde, nem se ela existiu como se lembra dela ou é impulso da emoção que põe centímetro a centímetro de gesto, palavra a palavra com a força da intenção que só existe agora.podia cair o mundo, podia existir inferno. ela quis suco de laranja sem açúcar e sem gelo. não teve medo de arriscar-se em relação ao gosto, à temperatura. ao assunto. e decepção , quem sabe, seria numa próxima riso.

         a felicidade é coisa inventada pelas nordestinas, sei que existe uma frase assim nos textos de Clarice e que isso lá significa tristeza. o hábito com a felicidade não funcionava com ela... nunca funcionou... e , nem que o mundo caísse, ela não poria açúcar naquele suco. nem que todas as guerras do mundo explodissem. nem que na hora do beijo ele virasse o rosto. queria o suco sem açúcar.
a primavera ora é cinza... ela, naquele dia, inventou a felicidade numa conversa. linda e sem açúcar.

linda e sem açúcar.

ramoncoutubro2013.

sexta-feira, 4 de outubro de 2013

            apareceu, certa vez, na praça que tem uma igrejinha, o corpo de uma garota. tinha sinais de agressão que nem de perto lembravam pancada simples. era coisa de profissional. coisa que marca a carne fundo, fundo, e você não esquece nem com promessa.
            eu e todos os meus amigos fomos ver a novidade. afinal de contas, os quarteirões no entorno da praça já estava murmurando a má notícia. um corpo feminino, daquele jeito, representava de certa maneira uma ferida aberta. um risco a todos. as pessoas, de modo geral, tinham cheiro de medo. dizem que animais que têm bom olfato, como cães e cobras, podem sentir o cheiro do medo. ali, esses animais teriam um dia cheio de sensações.
            as senhoras de respeito, ilibadas em moralidade, resmungavam de sobrolhos à novidade que se apresentava com olhares de rapina sobre a nossa curiosidade. os velhos eram mais entusiasmados, mesmo assim, ralhavam conosco em razão do que era certo, talhando com faca e foice o nosso desejo pelo corpo.
            havia aqueles, além disso, que diziam da violência com violência “ também, com um shortinho tão curtinho!”. tinha também aqueles que faziam sinais da cruz quando ouviam e, se por descuido a viam, viravam a cara para o lado oposto ao corpo da moça, feminilíssimo e seminu.
            de certa maneira, eu tinha medo também. quando, depois de ter passado a grande araucária, velhíssima,  que ficava na praça. vi o corpo e o meu corpo, então, estremeceu de jeito novo. não tive medo da moça, propriamente. era medo de mim. medo do desejo que sentia. um suor gelado molhava minhas mãos em sudorese. o vento, cheio de poeirinha, pôde justificar, depois, porquê de primeiro fechei os olhos. eu, nesse instante, só conseguia pensar “obra do cão. isso quem fez foi o diabo!”. queria o meu corpo de volta, sob controle, em seu lugar de origem. sem medo, e sem perigo.
            enquanto a moça, tranquila, sem saber da novidade, comia pipoca na praça da igrejinha.

ramoncoutubro2013.

um dia, na praça da igrejinha, havia um corpo de mulher.