sábado, 26 de janeiro de 2013


que esse tempo passe e que venha a primavera,
despetale algumas rosas, e nos garanta a vida.
nos garanta a vida eterna.
eu não encontro com ninguém,
reencontro rostos velhos, ressequidos...
chamo a eles bons amigos,
e nós vamos sem vintém.
tanto faz ser o que sou,
talvez num mês eu mude tudo,
dou-me pouco, mas me dou...
e dou do meu ser mais profundo.
venha o tempo e derrube a flor,
que ela renasça sobre a terra,
forme rimas com amor,
e nos garanta vida eterna...
sejamos velados  com brancos véus,
nos acendam algumas velas,
destinem rezas aos céus,
nosso corpo adube a terra...
lembrem de nós em reuniões,
façam homenagens sobre as campas,
deem-nos crédito por lições...
ponham nosso nome em crianças...
venha a morte com sua triste manta,
e arrebate nossas almas,
elimine guerras santas,
esvazie toda casa.
dê- ao tempo seu egoísmo,
pois a vida não se encerra...
nunca seja grande o abismo...
e nos garanta vida eterna.

ramonc/ prece espírita/
Janeiro-2013.



sexta-feira, 25 de janeiro de 2013


Brevíssima análise de discurso sobre o funk passa nela, de Mr. Catra.

A quebra de Tabus sociais e a mulher como sujeito.

A análise de discurso ( a partir de agora AD), é um disciplina da linguística que observa a comunicação humana de maneira global, abandonando, portanto, a análise puramente textual e debruçando-se sobre os possíveis efeitos de sentido formulados pela imbricação de múltiplos discursos encontrados em uma mesma enunciação. Desta maneira, a AD é uma disciplina que se interessa pelos efeitos de sentidos gerados pelo universo interdiscursivo de uma enunciação.

Assim, a AD trabalha a ideia de interdiscurso e considera diversas categorias capazes de produzir efeitos de sentido em uma mesma enunciação. Em nosso caso, faremos uma brevíssima análise do funk passa nela do Mr. Catra. 

Wagner Domingues da Costa, mais conhecido como Mr. Catra, teve uma infância que não corresponde ao que o senso comum pensa para um favelado. Nascido no estado do Rio de Janeiro, cresceu na favela do Boréu. Estudou no excelente colégio Pedro II, foi líder estudantil. Montou na década de 1980 uma banda de roque, intitulada “ o Beco”, que teve repercussão média no núcleo universitário carioca. Pai de treze filhos com mulheres diferentes, é conhecido no Brasil e no 
exterior como músico provocador, que tem letras associadas ao sexo, drogas e crime.

Lançado em 2012, o funk “passa nela” , não tem uma grande variedade de versos. A princípio, relaciona-se esse fato a ausência de profundidade da letra. Contudo, temos de considerar que isso é um princípio do estilo musica funk, que não exige de seus compositores letras com vasto campo de complexidade métrica. 

O trecho que selecionamos para análise condiz ao refrão da música:

“Passa nela, passa nela
passa o pau na cara dela. (2x)
Soca nele, soca nele
joga só na cara dele. (2x)
Passa nela, passa nela
passa o pau na cara dela. (2x)
Ui, que delícia!
Hahaha ah”

Há nesse pequeno trecho uma grande repetição de versos curtos que são muitos relacionados ao ato sexual entre um homem e uma mulher. Além da repetição dos versos existe, quando ouvimos a canção, sons que podem ser relacionados a uma respiração ofegante, o que reforça a ideia do ato sexual. Não existe sociedade que aceite a pornografia sem carregá-la a tabus. A sexualidade é reprimida em nossa sociedade e, portanto, o funk “ passa nela” não é ouvido em reuniões familiares. Atinge , conquanto, o patamar de marginal.

A repetição das expressões “Passa nela, passa nela”, e mais adiante, “Soca nele, soca nele”, constroem a uma imagem obscena que remete a repetição mecânica do ato sexual entre um homem e uma mulher. Mas, além disso, organiza-se em relação à batida produzida por um “DJ”, produzindo a música propriamente dita. 

Os trechos supramencionados são cantados por duas vozes. O trecho “Passa nela, passa nela”, é entoado pela voz do próprio Mr.Catra, enquanto o trecho “Soca nele, soca nele”, é cantado por uma voz feminina ( não consegui identificar pela internete o nome da moça que canta esse trecho).

Esse trecho toma relevância nessa análise pois configura a participação efetiva da mulher no ato sexual. Não é uma mulher totalmente submissa à vontade de um homem, mas uma mulher agente do e no ato sexual. Essa pontualidade em nosso trabalho evidencia que, nessa letra de funk, a mulher rompe um tabu sexual e expõe a si como também desejosa sexualmente.

Portanto, consideramos que o funk “ passa nela”, de Mr. Catra, é construído de acordo com a estética do estilo musical funk, e rompe, consideravelmente, com tabus sociais que se arrastam desde muito, trazendo em sua letra uma imagem sexual muito forte, e dando voz ao desejo feminino.

Referências bibliográficas:

MAINGUENEAU, D Análise de Textos de Comunicação, trad. Cecília P. De Souza-e-Silva, Décio Rocha, São Paulo: Cortez, 2004.
_____________ O Discurso Literário, trad. Adail Sobral, São Paulo: Contexto, 2006.
_____________ A Análise do discurso e Suas Fronteiras, Matraga. Rio de Janeiro, v.14, n.20, p.13-p.37, jan./jun.2007 
_____________ O Discurso Pornográfico, trad. Marcos Marcionilo, São Paulo: Parábola Editorial, 2010.

Fontes eletrônicas:
http://www.catra.com.br/novo/#biografia
 consultado em 25 de janeiro de 2013.
http://letras.mus.br/mc-catra/1817935/
 consultado em 25 de janeiro de 2013
-desisto?
- o que?
-dExisto.

ramonc/ conversinha sobre a metafísica niilista/
janeiro-2013

quinta-feira, 24 de janeiro de 2013


            bem, há uma história para ser contada. e lá vem a minha personagem  central. é aquela moça que aparenta às vezes mais, às vezes menos, do que tem como registro na certidão de nascimento, e, por ser tão impreciso dar-lhe primaveras, deixo a seu critério pôr na moça, - veja bem, é uma moça- idade conveniente.
            essa moça não tem nada de verdadeiramente especial. nunca foi a mais bonita da sala, seu primeiro beijo não foi lá essas coisas e , na verdade, depois do primeiro demorou para dar o segundo por medo de uma segunda decepção. estudou em lugares médios, comeu comidas de tias, avós. houve época conflituosa em sua adolescência: os hippies, os rocks, as drogas e os hormônios nunca foram boas coisas a serem combinadas. demorou para menstruar, negou algumas religiões e, hoje , diz que seu único apego transcendental é com Jesus, contudo um Jesus meio hippie, roqueiro, drogado que aceita o casamento gay na boa. transou algumas vezes, gozou poucas vezes. mas gozou. é verdade, porém, ela acha mais simples gozar se masturbando. sente-se livre para pensar no que quiser e, depois da transa imaginária, ela vira pro lado, dorme e ronca. e , se não estiver na vibe, desiste e usa o dedo para coçar o nariz, quem sabe... agora, que conhecemos a nossa estrela, resta-me dar à moça um fato notório. afinal de contas, não se narram histórias meãs. e essa é, de fato,  uma boa história.
            acontece que hoje, nesse exato momento, um moço, nem feio nem bonito, de estatura média, entretanto, uns dedos mais alto que a moça, olhou-a nos olhos e disse “Maria?”. nossa moça não se chama maria. mesmo assim, e talvez os místicos, alquimistas, psicólogos, psicanalistas, ousados ou bobos  saibam ou queira explicar, ela pensou, em um milésimo de segundo, muitas coisas. primeiro, que poderia mentir e dizer que sim, seu nome seria maria,depois,  que odiaria seu nome verdadeiro pra sempre, e, por último, que amaldiçoaria para sempre quem teve a ideia ridícula de não dar-lhe como graça “maria”. os olhos amendoados do moço desenlaçaram a cara aturdida de nossa companheira já de muitas linhas. sim, não vá você pensar que eu atenuarei essa história, ou coisa que o valha. não estamos aqui para julgar ninguém, espero, nem a nossa personagem. então, você não será machista a ponto de dar-lhe alcunhas depreciativas como “puta” ou coisa parecida só porque, em poucas horas, ela estava transado com o nosso segundo personagem num motel de péssima categoria, suando como nunca, gemendo como nunca, de quatro como poucas vezes teve  coragem e vontade de fazê-lo, por acreditar que é coisa de puta.
            enquanto o nosso segundo personagem segura as ancas da moça, ela desesperadamente lançava o pescoço para trás. é bem verdade que, quanto ao sexo, é melhor fazê-lo, narrar-lho parece conversa ora boba, ora vulgar, ora engraçada. acontece que  sexo é, pelo menos faz sentido que seja, um ato irracionalmente animal. se o homem lhe põe muito significado, empobrece. bem ,fazem sexo os babuínos nas savanas africanas, em meio ao olhar de muitos outros babuínos, à temperatura elevada e clima úmido. tal qual um casal de babuínos, e na mesma posição que os primatas inferiores fariam, nosso casal faz amor dando pouco significado às coisas.
            uma mão, nesse momento dos mais íntimos, é apenas uma mão. não há significado em ser mão. há sentido. as mãos do moço são sentidas firmes nas ancas de nossa protagonista, que agora, dá um grito lancinante que significa: gozo. levantam-se, beijam-se. fazem sexo mais uma vez enquanto vestem-se. trocam telefones e , ambos, colocam codinomes ao passo de pôr na agenda do celular os respectivos e verdadeiros nomes. como se , ao olhar para o nome verdadeiro seguido do telefone, enxergassem um pecado imperdoável que seria posto à ignomínia sem precedentes.
            a nossa moça caminha até sua casa agora... fraca, feliz. estranhíssima. mesmo que tentasse se lembrar não poderia. ela tentou muito. mas depois desistiu. lembrou-se aos poucos de quem era. deu-se nome, “meu nome é...” . enfim. chegou em casa e as luzes estavam acesas.
            -demorou?
            -trânsito.
            - você vai fazer o jantar?
            - sim.
            - sua mãe te ligou, disse que você pode mandar a Amanda pra lá no fim de semana, ai você poderá me fazer a tal – ênfase no tal- surpresa.
            -que bom.
            quando será época de morangos?
ramonc/ o microcosmos do não amor/
janeiro-2013.

terça-feira, 22 de janeiro de 2013


quando se imagina seu tamanho,
ponha mais que a maior medida,
não é verdade, nem engano,
não é incerto, nem mentira.
não vê riqueza do seu bolso,
não vê idade, esse dilema,
não acha fundo o fundo poço,
se assemelha a um problema.
não assegura a mão materna,
não lhe protege a escritura,
dura uma noite eterna,
e quanto mais dói, mais dura.
não te ajuda ter um trevo,
não adianta a ferradura,
ter uma figa, não aconselho.
não há novena, nem macumba.
não existe o mais profundo apego,
que te proteja dessa usura,
não se paga um bom preço,
que lhe valha boa fuga.
não tem  idade que escape,
nem função que se evite,
nem o mais sábio sabe
um motivo que explique
que todo homem que nasce
lamentavelmente sofre,
e o sofrimento age,
independentemente da dose,
da posse,
da morte.

ramonc / triste sino/
janeiro-2013

sábado, 19 de janeiro de 2013

dentro do ramon, há um monstro sinistro.

dê-lhe biscoitos, água. pizza e comida japonesa. às vezes carinho e sexo.

se não, ele acorda.

ramonc/ o monstro em mim/
janeiro-2013

Deus, por algum motivo estou aqui.
eu posso ser um astronauta...
eu posso ser um marceneiro...
talvez, Deus, eu não seja nada. seja eu, quem sabe, um andarilho.
um flautista.
Deus, de tudo que você sabe e pode, não me deixe ser malvado.
corrige os meus passos, e me ajude a dividir, pois é muito difícil .
ensina-me primeiro o verbo doar, depois o verbo querer... por último o verbo ter. mas só quando eu aprender direitinho os dois primeiros verbos.
não me deixa ser enganado pelos velhos muito chatos, e nem iludido pela tv... principalmente a globo e a record.
Deus conforta os bichinhos, todos eles, porque não sabem, como eu, orar.
Deus, ajuda para que eu não me conforme com a injustiça contra as criancinhas, os velhinhos, e os que não têm conforto.
perdoa o Saramago, porque ele era muito ranzinza.
é o que eu te peço, nessa oração feita muito antes do motivo pelo qual me faz estar aqui. Amém.


Ramon c/ oração para meu filho /
Janeiro-2013

sexta-feira, 18 de janeiro de 2013



            quando ela chegou a tv estava ligada na nathional geographic. a tv fazia, sozinha, um barulho ensurdecedor.
-as flores no campo, com certeza, floresceriam sem a sua ajuda.  se pô-las na porra de um vaso, trate de rega-las. 
-um cão selvagem, no serrado onde vive, ver-lhe-ia como presa. mas se você o domesticou, caralho, dê-lhe água.
-as águas de um rio, correriam e teriam seu ciclo natural respeitado. mas se você as cerrou numa garrafa, cacete, beba!
            ele desligou a tv, abriu a porta e saiu.  nem avisou pra onde ia.

ramonc/ efemérides do fim: a tristeza se renova e deus faz sua justiça/
janeiro-2013

quarta-feira, 16 de janeiro de 2013


            o melhor do amor, é que se pode viver sem ele.  você não terá câncer se não for abraçado. não se termina uma guerra pela falta de um beijo. ah, como é bom saber que se , hoje, você não ouvir um “ eu te amo”, nenhuma criança morrerá a mais. dá certo conforto não dá? se nenhuma casal fizer as pazes, amanhã, ainda teremos bombas. se nenhuma mão a mais for dada, amanhã, se assim o for, seu fígado doerá na mesma medida que doeria de qualquer outra forma. o amor não serve pra porra nenhuma. aliás, é melhor viver sem amor. sem esperar uma ligação. sem esperar que amor seja sinônimo de sexo, e que amor seja feito durante uma noite e se estenda pela manhã antes e depois do café. o amor não presta. se não houver amor nada muda. nenhum trigo a mais na mesa. nenhuma vacina nova. nenhum avanço da teconologia.  a corrupção não diminuí se , de repente, você sente o perfume da moça que tanto ama um segundo depois do beijo. não prospera sua conta caso você em altar jure :sim! nada. o amor, definitivamente, piora a situação. aliás, o pior do amor é que não se quer viver sem ele.

ramon c / você não me ligou, certa noite, e eu fiquei pensando em homicídio/
janeiro-2013.

quarta-feira, 9 de janeiro de 2013


                quando escrevo, embora tenha sempre muito trabalho,  não tenho condição nenhuma de dizer como o texto terminará. isso faz com que eu pense que em todo texto meu há algo de outro, de outros. há neles  alguma coisa de psicografia, alguma coisa soprada, alguma coisa desonesta de minha parte.


ramon c/ confissão/
janeiro 2013. 

terça-feira, 8 de janeiro de 2013


                do lado esquerdo da grande parede de tinta sempre branca rachada pela pouca ação do tempo que pôde tocar aquele lugar escondido do resto do mundo, a cômoda de carvalho, antiquíssima, sempre esteve na casa de minha avó.  minha avó, tal e qual a cômoda, resistiu ao tempo de maneira peculiar, nunca esteve jovem aos meus olhos. minha avó sempre fora velha.
            o carvalho já tivera sido consumido pela ação de cupins, traças e outras pragas que foram, de maneira drástica, ou não, exorcizadas.  a resistência do carvalho, talvez, justifique a monárquica posição do objeto, que embora pudesse, nunca foi substituído, ou sequer mudou de posição.
             minha avó desde sempre teve uma modesta vida confortável de uma senhora dona de casa. houve naquela casa velha muitos móveis é verdade, uma vida farta. meu avô, há muito falecido, tempo o suficiente para que eu nunca o tivesse conhecido para além das lembranças à mesa, ou no velho retrato por sobre a cômoda, fora torneiro mecânico toda a sua vida, em uma única metalúrgica. Quando morreu, deixou muito à minha avó, suprimentos, dinheiro que fazia entrar e sair eletrodomésticos, uns inclusive que nunca foram utilizados e permaneciam intactos nas caixas como se fossem troféus ou brinquedos de colecionador, um grande retrato seu de lambe-lambe que ainda descansa sobre a cômoda e a tal cômoda de carvalho que, em lendas íntimas, diziam ter pertencido à família fidalga antes de , por roubou, saque, ou outra coisa que o valha, ter caído por engano na casa de mãe do meu avó.
            o imponente objeto de madeira fica disposto a todos que o veem, e acima dele há um grande oratório destinado à nossa senhora, entretanto, houve épocas de haver são sebastião, santa teresinha. confidencias familiares oram que o primeiro que esteve naquele oratório fora santo antônio, mas isso já foi há muito tempo. na grande caixa de jacarandá há cinco gavetas grandes, que , quase como metalinguagem de si, nunca alternaram os objetos que são portadoras.  a primeira destina-se a guardar as contas que ainda serão pagas na esquerda, e que já foram pagas na direita. a segunda, porta retratos antigos de minha pai e de meus tios, há também pequenos pertences como velas de primeira comunhão, e madeixas de primeiros cortes de cabelos de todos nós. a segunda gaveta nunca é aberta, sabemos dela e do que ela contém... mas nunca a perturbamos. a terceira gaveta guarda os panos de prato, ficam ali livres para serem acessados todas as vezes que minha avó, ou a moça que cuida dela precisa. a quarta gaveta carrega os livros velhos de receita para culinária, e também os exames médicos de anos e anos, que minha avó guarda por precaução.
            a ultima gaveta é a mais difícil de ser aberta não apenas pelo desconforto de estar rente ao chão, mas por estar sempre emperrada  pela falta de uso e pela ferrugem corrosiva de suas articulações. essa era a gaveta do meu avô e , por isso, ainda guarda  pertences dele, muito necessários, segundo minha avó e meu pai, para manter a presença do velho pela casa. há , na gaveta, suas duas gravatas preferidas, seu caderno de cânticos da igreja, sua caneta tinteiro que nunca fora utilizada para mais que contracheques, um time de botão do juventus do seu tempo de menino e uma foto dele abraçado à minha avó enquanto moços, intacta. esse é o único objeto que está lá que nunca pertenceu a meu avô. minha avó, depois de uns anos que ele morreu, pôs lá fazendo graça. rimos todos com a brincadeira daquela senhora redonda e conservada em sua velhice. a fotografia nunca mais saiu dali.
            hoje, enquanto almoçávamos, discutimos o destino do velho móvel de carvalho. todos tinham interesse em ter o objeto, portanto, ficou para herança. ficou para ser o que sobrar do corpo morto de minha avó. quando levantamos, vi meu pai soprar no ouvido de minha mãe “ esse vai pra nossa sala... só não levo a foto do meu pai... ponho a minha”.  minha mãe não riu. minha mãe ri pouco, talvez, por ser  uma mulher velha.

Ramon c/ a cômoda/
Janeiro 2013.

domingo, 6 de janeiro de 2013

             o café quente foi servido nas duas xícaras.  o líquido saído do pequeno buraco da chaleira descia espesso, mais que o comum, contudo, seu barulho podia ser apenas imaginado. ouvido... não.
             tinha um tempo a amizade dos dois. conheceram-se nuns lugares destes quaisquer, mas foi numa conversa sobre mitologia grega que o nó germinal das relações fora cerrado: nascida, relação, como afrodite ou dionísio, estavam ali. a conversa naquela tarde, é verdade, fora de política à religião, sempre ultrapassando a mais alta transcendência mas nunca o limite da moralidade e da cintura.
             de onde estavam via-se uma pequena igreja em tons terrosos, uma roseira com rosas em botão  e outras, mais ousadas, já despetaladas pela suavidade do vento que com pinceladas ora fortes, ora mansas, abria as rosas mais ousadas e as deixava molhadas pela umidade da primavera chuvosa que fazia. naquele momento ainda, via-se um cão e um casal de velhos que podia , quem quisesse, acreditar que eram casados há anos. 
             enquanto ela dissecava as últimas notícias sobre o caderno de política, pegou-o em nirvana olhando  para  suas coxas. sentiu-se desejada, invadida, desrespeitada... mas não escondeu as pernas e nem mudou de posição, tampouco mudou o tom de sua voz, ou o assunto para que ele , por susto, medo, vergonha deixasse de olhá-la. sentia-se envergonhada por querer ser desrespeitada, mas gostou dos olhos que fitavam  suas pernas nuas e que desejavam , pensou, o corpo todo.
            ele ouvia pouco sobre o tal rafael correa, e agora, ele parecia ainda mais desconhecido diante às coxas bronzeadas, rígidas e redondas. penetrava com o olhar por debaixo da saia como se não houvesse limite entre o olho e o sexo, como se o tecido fosse inútil véu que apenas ostentava a cura para um desejo que ele, não se sabe se pelo presidente equatoriano, ou pelo vinho de dionísio, havia despertado de maneira grande e forte... delicadamente sufocante. 
             ela prolongava o assunto como se o desejo  do olhar dele a tocasse, fosse as mãos do moço penetrando por debaixo de sua saia, desabotoando o feixe do sutiã ... então ela, sem ar, buscava palavra a palavra, de oração a oração, um novo assunto. não se importava que ele não retribuísse à conversa. queria que ele continuasse com o olhar firme em suas pernas, profundo e profundo. no início ela conseguia atar as orações com conjunções, depois, quase em soluços ouvia-se apenas pequenos sintagmas de assuntos, sussurros e contextos inexpressivos diante a uma respiração, de ambos, arfantes e desesperada. 
             o café jazia inerte na xícara, o vento deu trégua às flores, inclusive às mais ousadas. não se via mais o velhos. "mais café?" em tom forte a garçonete fez seu trabalho. é comum que se faça consumir ou se faça ir; garçonetes não estão preparadas para conversas demasiadamente longas, quer sobre política, quer sobre quaisquer assuntos. ela não quis. levantou-se, suada e estranha. amiga. mais amiga, talvez. ele ficou e pediu uma terceira xícara.


ramon c/       um café quente e três xícaras./
jan-2013.
       
       

quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

saudade é a prova de amor mais dolorosa que existe?
eu não tenho certeza. mas espero que sim.
onde você está, tomara que não me ouça, nem pense
que sua ausência me incomoda, me dá fim.
será que você anda comendo, ou sentindo falta, 
da comida italiana, francesa, romana, que você já comeu por aí?
eu queria que houvesse, onde está, se é que está, se é que há, 
teatros, e prendedores de gravata, lindos e dourados, cheiro de perfume francês, 
lenços lindos e Debussy. 
poemas, prosas, livros velhos, e seus escritos, seu papeis, suas coisas todas, organizadas... e sua juventude de volta, linda e desinibida. sem medo, e com um vaticano sem papa.
tomara que você não me ouça nunca, não sinta a minha falta, e que habite num lugar com seda e detalhes em marfim que nunca saíram, misteriosamente, de um elefante... 
Shekespeare a teu lado, Felline do outro... La Doce Vita! 
tomara que você não sinta saudade de mim. mas que agora, Deus bem que podia te dar um calorzinho bom... parecido com um abraço.


ramonc/ parecido com um abraço de domingo/
janeiro/2013