domingo, 6 de janeiro de 2013

             o café quente foi servido nas duas xícaras.  o líquido saído do pequeno buraco da chaleira descia espesso, mais que o comum, contudo, seu barulho podia ser apenas imaginado. ouvido... não.
             tinha um tempo a amizade dos dois. conheceram-se nuns lugares destes quaisquer, mas foi numa conversa sobre mitologia grega que o nó germinal das relações fora cerrado: nascida, relação, como afrodite ou dionísio, estavam ali. a conversa naquela tarde, é verdade, fora de política à religião, sempre ultrapassando a mais alta transcendência mas nunca o limite da moralidade e da cintura.
             de onde estavam via-se uma pequena igreja em tons terrosos, uma roseira com rosas em botão  e outras, mais ousadas, já despetaladas pela suavidade do vento que com pinceladas ora fortes, ora mansas, abria as rosas mais ousadas e as deixava molhadas pela umidade da primavera chuvosa que fazia. naquele momento ainda, via-se um cão e um casal de velhos que podia , quem quisesse, acreditar que eram casados há anos. 
             enquanto ela dissecava as últimas notícias sobre o caderno de política, pegou-o em nirvana olhando  para  suas coxas. sentiu-se desejada, invadida, desrespeitada... mas não escondeu as pernas e nem mudou de posição, tampouco mudou o tom de sua voz, ou o assunto para que ele , por susto, medo, vergonha deixasse de olhá-la. sentia-se envergonhada por querer ser desrespeitada, mas gostou dos olhos que fitavam  suas pernas nuas e que desejavam , pensou, o corpo todo.
            ele ouvia pouco sobre o tal rafael correa, e agora, ele parecia ainda mais desconhecido diante às coxas bronzeadas, rígidas e redondas. penetrava com o olhar por debaixo da saia como se não houvesse limite entre o olho e o sexo, como se o tecido fosse inútil véu que apenas ostentava a cura para um desejo que ele, não se sabe se pelo presidente equatoriano, ou pelo vinho de dionísio, havia despertado de maneira grande e forte... delicadamente sufocante. 
             ela prolongava o assunto como se o desejo  do olhar dele a tocasse, fosse as mãos do moço penetrando por debaixo de sua saia, desabotoando o feixe do sutiã ... então ela, sem ar, buscava palavra a palavra, de oração a oração, um novo assunto. não se importava que ele não retribuísse à conversa. queria que ele continuasse com o olhar firme em suas pernas, profundo e profundo. no início ela conseguia atar as orações com conjunções, depois, quase em soluços ouvia-se apenas pequenos sintagmas de assuntos, sussurros e contextos inexpressivos diante a uma respiração, de ambos, arfantes e desesperada. 
             o café jazia inerte na xícara, o vento deu trégua às flores, inclusive às mais ousadas. não se via mais o velhos. "mais café?" em tom forte a garçonete fez seu trabalho. é comum que se faça consumir ou se faça ir; garçonetes não estão preparadas para conversas demasiadamente longas, quer sobre política, quer sobre quaisquer assuntos. ela não quis. levantou-se, suada e estranha. amiga. mais amiga, talvez. ele ficou e pediu uma terceira xícara.


ramon c/       um café quente e três xícaras./
jan-2013.
       
       

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