apareceu, certa vez, na praça que
tem uma igrejinha, o corpo de uma garota. tinha sinais de agressão que nem de
perto lembravam pancada simples. era coisa de profissional. coisa que marca a
carne fundo, fundo, e você não esquece nem com promessa.
eu e todos os meus amigos fomos ver
a novidade. afinal de contas, os quarteirões no entorno da praça já estava
murmurando a má notícia. um corpo feminino, daquele jeito, representava de
certa maneira uma ferida aberta. um risco a todos. as pessoas, de modo geral,
tinham cheiro de medo. dizem que animais que têm bom olfato, como cães e cobras, podem sentir o cheiro do medo. ali, esses animais teriam um dia cheio de
sensações.
as senhoras de respeito, ilibadas em
moralidade, resmungavam de sobrolhos à novidade que se apresentava com olhares
de rapina sobre a nossa curiosidade. os velhos eram mais entusiasmados, mesmo
assim, ralhavam conosco em razão do que era certo, talhando com faca e foice o
nosso desejo pelo corpo.
havia aqueles, além disso, que
diziam da violência com violência “ também, com um shortinho tão curtinho!”.
tinha também aqueles que faziam sinais da cruz quando ouviam e, se por descuido
a viam, viravam a cara para o lado oposto ao corpo da moça, feminilíssimo e
seminu.
de certa maneira, eu tinha medo
também. quando, depois de ter passado a grande araucária, velhíssima, que ficava na praça. vi o corpo e o meu corpo, então, estremeceu de jeito novo. não tive medo
da moça, propriamente. era medo de mim. medo do desejo que sentia. um suor
gelado molhava minhas mãos em sudorese. o vento, cheio de poeirinha, pôde
justificar, depois, porquê de primeiro fechei os olhos. eu, nesse instante, só
conseguia pensar “obra do cão. isso quem fez foi o diabo!”. queria o meu corpo de volta, sob controle, em seu lugar de origem. sem medo, e sem perigo.
enquanto a moça, tranquila, sem
saber da novidade, comia pipoca na praça da igrejinha.
ramoncoutubro2013.
um
dia, na praça da igrejinha, havia um corpo de mulher.
Nenhum comentário:
Postar um comentário