Baby, you're driving me crazy
I said baby, you're driving me crazy
The way you turn me on
then you shot me down
well, tell me baby
am I justyourclown?
-THESONICS
Eu era uma escritora bêbada, perdida em uma cidade enorme e sem nenhum
lugar decente. Saudosista do rock de ontem e amante do rock de hoje que soa como o de ontem. Um livro
publicado, nenhum dinheiro no
bolso. Alguns frilas me salvavam, as contas dos bares aumentavam, os amigos emprestavam dinheiro quando
podiam. Mamãe e papai, coitados, falidos e fodidos, ajudavam
quando podiam. Sem amor e com poucos
amigos, me restaram as minhas droguinhas controladas pelo Doutor Fajuto, que não controlava porra nenhuma além de sua própria conta bancária; desde que você pagasse a
consulta, estava tudo certo. 0 convênio pagava, então ele me mantinha feliz com as
minhas receitas azuis. Sem amor. Quase murchando.
Então eu me
apaixonei.
Só poderia mesmo me apaixonar
pelo dono de um bar. Se bem que me
apaixonaria de qualquer jeito, fosse ele um geólogo ou um advogado ou um
torneiro mecânico. Mas era
dono de um bar, e lá estava ele
sentado no sofá, debaixo de
uma garota, em cima de uma poltrona.
A odiei . A garota, não a
poltrona. Quis que morresse, que sumisse.
Tinha cara de burra. Feia. Boba. Chata. Namorada. Ignorei. Fingi que ela não existia e puxei papo. Em dois minutos eu estava apaixonada. Ela saiu
e o papo engatou até o ponto em
que ele disse "parei, deixa eu
parar com isso", todo perturbado. E eu soube que era ele. E era mesmo. No dia seguinte ela não estava lá e foi lindo, foi como voltar
para casa depois da guerra, como uma janela aberta na minha alma claustrofóbica, nós dois girando no meio dos discos,
nós dois grudados, nós dois um. Então ele estragou a minha noite falando que era devotado à namorada. Devotado. Apagaram a luz, fecharam a porta. Devoção. Eu também já fui
devotada, mas pelos motivos certos. E
pela pessoa errada. Fui embora a pé, sozinha, falando sozinha
na rua de manhã. Sozinha. Bêbada. Quase sem memória.
Merda, merda. Quero lembrar. Quero saber tudo, mas
não sei. Quero pisar na cara da sensação de ridículo. Sumir esse gosto da boca. Me
encher de tabefes pra ver se eu paro com essa merda toda. Um creminho, sabe, pra tirar a maquiagem borrada.
Como uma coisinha tão pequena pode me derrubar com tanta força? Bolinhas no chão, no meio do caminho, blam. Ploft. Olha lá a mina estirada no chão, toda
fodida, sentada na porta do metrô. Chutem o
rabo dela por mim.
Ah, foda-se.
Focof.
Não fala antes
de saber, não comenta
antes de ler, não seja espertinho
comigo, querido. Não
comigo.
Olha a mina caminhando de manhã na rua, bem pequenininha, todo mundo olhando.
Olha a cara dela, aquela cara de idiota. Olha amina se perdendo
no metrô, oh, a grande &
assustadora mina com um metro e meio
de altura e diminuindo, diminuindo, cabendo no bolso de alguém. Indo pra casa sozinha no meio de todos aqueles prédios tagarelas
e daquelas pessoas de gravata. Dando telefonemas absolutamente patéticos para sua única amiga,
tentando achar um lugar macio pra
deitar. Olha, olha, olha ela sem dinheiro de novo, toda fodida. Que maldição. Meu avô disse que o
amor é um cão do inferno, Arturo disse que o amor é feio, que é uma cicatríz na palma da nossa mão. Arturo,
como eu queria que você estivesse
errado. Que o amor fosse bonito e construísse casinhas e famílias e tudo.
Damn, damn, damn. Olha a cicatríz na palma da minha mão sangrando de novo. Olha a mina, que babaca, ainda acreditando em alguma coisa.
Ela não aprende, não quer
aprender, recusa-se. Ela também não sofre de pena e autoco miseração inúteis, não se perde nessas coisas. Mas se perde o tempo todo porque escolhe se perder. Olha o sol cegando
a noite, dor nos pés, a mina falando sozinha e andando sozinha e
indo para lugar nenhum. Mas ela vai,
ela caminha porque não consegue
ficar parada. As bolinhas voltaram
junto com o enjôo de manhã. As coisas voltam o tempo todo, será que estou andando em círculos?
Nesse caso, melhor seria ficar parada. Quietinha. Sem respirar. Mas eu não consigo. Corre, corre, vai, rápido. Corre
pra chegar logo em lugar algum.
Correndo, correndo, voltei ao bar na noite
segunda, no cantinho com meus amigos, bem
longe, era um lugar público, não era? Eu poderia ir lá se quisesse, mesmo que ele fosse devotado,
aquele filho da puta que afagou
meu coração pra me mandar embora. No fim da noite, fui pagar a conta e ganhei um
beijo de troco, assim, sem aviso, por cima do balcão, como um tapa pela minha ousadia de aparecer lá. Só um beijo e lá estava eu sozinha de novo, indo embora sozinha,
de novo sozinha, a
louca. Bêbada de novo, cheia de bolinhas na cabeça. Cansada dessa história, sempre a mesma coisa, sempre a mesma rejeição.
Sempre trocada.
Já me sentindo
um caroço morto no canto do prato,
atendo a porta de casa e lá está ele sorrindo o sorriso mais lindo do mundo, aqueles olhos, ai meu deus aqueles olhos dele.
Ficamos bêbados e ele me deu um tapa na cara. "Sua filha da puta.
Você é minha. Minha, entendeu? Minha!" Entendi.
Fomos para o bar, ligamos a jukebox e ficamos lá no sofá de zebrinha
escutando Sonics. Oh baby, you're driving me crazy. Estávamos ficando loucos, os dois. Ele por causa de mim, eu por causa dele, nós dois por causa da namorada. Uma namorada de seis anos não se larga assim. Eu discordava, foda-se a sua namorada, foda-se tudo, vamos fugir daqui. Nós bebíamos demais e brigávamos, rolávamos pelo chão e acabávamos trepando. A síndica reclamava. Cartas
chegavam reclamando do barulho. Os dias passando, o telefone tocando e ele finalmente contando tudo para a namorada. Lágrimas, escândalo. Queria
conversar comigo e me dizer "umas
poucas e boas". 0 quê,
exatamente? Deveria me desculpar por amar
o namorado dela? Deveria me sentir culpada? Não desculpe, eu não sou assim, eu vou lá e pego, porque ele era meu, ele nasceu para mim, me desculpe, você está sentada no meu
lugar, garota. Ele chorava e dizia
que não queria fazer ninguém sofrer. Eu olhava e queria chorar também, porque todo mundo estava sofrendo demais e tudo era horrível e lindo. Ele dormia comigo e saía correndo de manhã,
morrendo de culpa.
Até que um dia
ele ficou. Quatro , cinco da tarde de segunda-feira. Ele ficou. 0 dia inteiro enroscado nos lençóis comigo, a noite inteira e mais uma manhã. Foi ficando. Voltava todos os dias. Nunca mais foi embora. Agora ele
está ali, deitado na cama, na
nossa casa, cuidando da nossa filha
enquanto os ônibus e a vida
passam. E a síndica parou
de reclamar.
psycho - Clara Averbuck - todos os créditos.
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