era um pudim em forma de “v”, muito bonito.
seu aspecto quente não advertia nada: dava água na boca. escorria-lhe , pelas
beiradas, um espessa cauda doce e não enjoativa, tão suculenta quanto a iguaria.
parecia pesado, lindo. gostoso. não se
podia dizer, com franqueza, se era tão gostoso quanto parecia, porque , afinal
de contas, era a fotografia de um pudizinho em forma de “v”. um pudim que, por
anos, eu admirei sem sentir-lhe o gosto.
é verdade que tia Margarida, a produtora da
delícia e da fotografia, dizia:que o gosto estava uma delícia. mas ninguém em
casa, pelo que eu sabia até então, nem meus tios, nem meus pais ou primos,
tinha comido. aliás, sobre comer aquilo, só
se ouvia rumores da própria tia Margarida: “fizeram “hummmmmmmmm”, como
na ana maria braga, quando comeram”. “ tia, Margarida”, perguntávamos eu e os
primos, adolescentes, cheios de gula, vigor e hormônios, “ por que a senhora
não faz um pudim desses , da foto, pra nós, um pra cada, um por dia, um por
hora? assim, nesse mesmo “v”, nesse mesmo líquido escorrendo em nossas bocas,
nessa mesma fôrma?”. tia Margarida dizia, “claro”. mas pudim que é bom, só na
foto mesmo.
em festa, uma vez, enquanto eu e meu primos comíamos
à mesa pequenos docinhos e as primas com os olhos, especulamos uns com os
outros sobre o pudim. pode parecer bobeira, e é, mas a doçura não nos saía da
cabeça. sonhávamos. queríamos. desejávamos. era a puberdade.
“o pudim, não existe!”, disse o mais velho. porra,
era o cara mais velho e aquilo nos chocou. ele já tinha comido muito pudim por
aí, dizer daquele, naquela segurança, nos abalou. “ tio Solanum, já comeu”, disse o mais novo, tão seguro quanto o mais velho. a
informação, mais do que a primeira, me incomodou, e passei a detestar, mesmo
sem conhecer direito, tio Solanum, pela petulância, e, principalmente, pelo
ciúme!. “quem disse que o tio comeu o doce?” eu perguntei ao menor... e ele,
rindo, me disse, “ora, o pudim disse”. não que a raiva tivesse passado, mas,
fora ignorada naquele instante. então eu mesmo acreditei, por acreditar, que o
pudim tinha me dito coisas... “ eu vou comer o pudim!”, profetizei... riram
tanto, meus primos.
tia Margarida, não faria aquele
pudim de novo. não sei se não faria por faltar-lhe tempo, coragem, ou para não
estragar a mística por trás da foto do pudim. eu nunca provei, mas era gostoso...
é verdade, dava pra saber só de ver... e, de sonho em sonho, acordado ou não, pensava:
era um pudim gostoso, digno de uma fotografia.
era um pudim gostoso, digno de uma fotografia.
ramoncjaneiro2014
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