quarta-feira, 1 de janeiro de 2014

  era um pudim em forma de “v”, muito bonito. seu aspecto quente não advertia nada: dava água na boca. escorria-lhe , pelas beiradas, um espessa cauda doce e não enjoativa, tão suculenta quanto a iguaria. parecia pesado, lindo. gostoso.  não se podia dizer, com franqueza, se era tão gostoso quanto parecia, porque , afinal de contas, era a fotografia de um pudizinho em forma de “v”. um pudim que, por anos, eu admirei sem sentir-lhe o gosto.
  é verdade que tia Margarida, a produtora da delícia e da fotografia, dizia:que o gosto estava uma delícia. mas ninguém em casa, pelo que eu sabia até então, nem meus tios, nem meus pais ou primos, tinha comido. aliás, sobre comer aquilo, só  se ouvia rumores da própria tia Margarida: “fizeram “hummmmmmmmm”, como na ana maria braga, quando comeram”. “ tia, Margarida”, perguntávamos eu e os primos, adolescentes, cheios de gula, vigor e hormônios, “ por que a senhora não faz um pudim desses , da foto, pra nós, um pra cada, um por dia, um por hora? assim, nesse mesmo “v”, nesse mesmo líquido escorrendo em nossas bocas, nessa mesma fôrma?”. tia Margarida dizia, “claro”. mas pudim que é bom, só na foto mesmo.
  em festa, uma vez, enquanto eu e meu primos comíamos à mesa pequenos docinhos e as primas com os olhos, especulamos uns com os outros sobre o pudim. pode parecer bobeira, e é, mas a doçura não nos saía da cabeça. sonhávamos. queríamos. desejávamos. era a puberdade.
  “o pudim, não existe!”, disse o mais velho. porra, era o cara mais velho e aquilo nos chocou. ele já tinha comido muito pudim por aí, dizer daquele, naquela segurança, nos abalou. “ tio Solanum, já comeu”, disse o mais novo, tão seguro quanto o mais velho. a informação, mais do que a primeira, me incomodou, e passei a detestar, mesmo sem conhecer direito, tio Solanum, pela petulância, e, principalmente, pelo ciúme!. “quem disse que o tio comeu o doce?” eu perguntei ao menor... e ele, rindo, me disse, “ora, o pudim disse”. não que a raiva tivesse passado, mas, fora ignorada naquele instante. então eu mesmo acreditei, por acreditar, que o pudim tinha me dito coisas... “ eu vou comer o pudim!”, profetizei... riram tanto, meus primos.
  tia Margarida, não faria aquele pudim de novo. não sei se não faria por faltar-lhe tempo, coragem, ou para não estragar a mística por trás da foto do pudim. eu nunca provei, mas era gostoso... é verdade, dava pra saber só de ver... e, de sonho em sonho, acordado ou não, pensava: era um pudim gostoso, digno de uma fotografia.

era um pudim gostoso, digno de uma fotografia.

ramoncjaneiro2014

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